Capítulo 6
De volta ao Lar
( Parte 2)

CRISTO, OÁSIS DO DESERTO.

A vida é um deserto e talvez todos os desertos físicos sejam representações simbólicas do deserto da vida. E, se os grandes iniciados do passado escolhiam os desertos para jejuarem ou para neles habitarem, talvez o fizessem para torná-los mais verdes e mais abundantes e, assim, transformar a vida num amplo oásis verde.

Desde a queda de Adão que o homem luta em busca do verde, de um oásis, de um lar. Para compreendermos a marcha de Adão em busca do seu paraíso perdido, é preciso um mergulho na etimologia da palavra “Adão” em árabe. Ela é composta de três letras ( ا د م ), sendo que a primeira, Alef ( ا ) representa o homem, único ser vivo de coluna vertebral reta; e como Alef é a primeira letra do alfabeto, o homem “Adão” é o Alfa, o princípio da criação.

O Alef ( ا ), o Um ( ا ) e a coluna reta do homem têm a mesma forma simbólica. As duas outras letras configuram Dam ( د م ) significam sangue. Assim, Adão é o “homem de sangue” , o “homem vermelho”, pois a cor vermelha e o sangue representam o guerreiro e a luta pelo pão, pela sobrevivência e pela vida.

Na tradição árabe, o profeta Elias é muitas vezes confundido com Khidr , que significa verde, ou seja, o homem verde que vem instruir os grandes seres e ensinar-lhes a ciência construtiva da vida em seu permanente crescimento.

A luta e a abundância (o vermelho e o verde) caminham juntos, porque são opostos e complementares. Vamos ver como o vermelho e o verde são complementares. Seguindo a experiência da Física: Concentrando o olhar por alguns segundos num círculo pintado de cor verde e, depois desviado o olhar para uma outra folha de cor totalmente branca, observa-se um círculo tênue de cor vermelha. Invertendo a experiência com um círculo pintado na cor vermelha, observamos na folha branca a manifestação da cor verde. Donde podemos concluir que essas duas cores são opostas e complementares. São geradoras uma da outra. Assim também, a luta e a abundância caminham juntas e cada uma gera a outra.

Adão, o homem vermelho, símbolo de todo homem em luta pela sua evolução, está em busca da abundância e do homem verde (khidr) que está adormecido nele.

O homem está em eterna busca, mas precisa saber o que realmente busca.

O homem busca um oásis, um verdadeiro lar. Ele busca o complemento do seu vermelho, da sua luta. Ele busca o verde. Cristo disse: “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”.

O homem, o mais sublime dos seres e o mais inteligente, não tem um lar. Os pássaros têm os seus ninhos e todos os animais se contentam com seus lares na Terra. Eles não raciocinam, não têm consciência ou inteligência própria. Mas o homem é o único ser consciente de que a própria vida é passageira, logo ele vê que a Terra não é a sua morada. Ele não cria raízes aqui. Ele não encontra seu lar porque ele sabe, de uma forma ou de outra, que não pertence plenamente a esse mundo. Uma residência temporária não o satisfaz. O homem, ao vir a esse mundo, parece vir do além, e passa por essa vida como um estranho, como um intruso que não se identifica com ela. O seu espírito busca uma moradia mais duradoura. Um lar que não seja passageiro, mas que seja eterno. Sua inteligência não se contenta com ninhos ou com tocas, como fazem os animais. Ele é o único entre os seres vivos que recusa a aceitar a morte como processo natural, porque sabe que existe algo além da própria vida.

Daí surge a sua espiritualidade, que não passa de uma profunda busca por um oásis onde possa reclinar o seu espírito e sentir que está na sua verdadeira residência. Na verdade, a busca começa quando se sabe que os lares desse mundo são miragens, são ilusões, e que o homem é apenas um peregrino na Terra.

A espiritualidade e a procura de Deus são expressões da busca de um lar para repouso do ser quando está inquieto, da alma quando está desamparada, e da vida quando está caótica e vermelha. É a luta de Adão que reside no nosso interior. Esse lar não é um espaço para o corpo, porque apenas o corpo nasce do corpo e precisa de um espaço nesse mundo. Mas a alma não nasce do corpo: ela nasce do amor. O seu sustento provém de uma outra dimensão e de uma outra fonte. A alma tem o seu lar no espírito. Ela deve receber o amor e ser nutrida por ele, tal como a criança é gestada pela sua mãe. Esse amor que traz a plenitude da vida é o mesmo amor que produz o menino Jesus no interior de todo homem. A semente do amor pertence a todos e não apenas a Jesus Cristo. Cristo é o princípio do amor que habita em nós e é por isso que ele nasceu numa gruta em Beth-lahem, que em árabe significa “casa de carne”. A gruta simboliza o interior do homem e Beth-lahem (casa de carne) simboliza o nosso corpo de osso e carne.

Não basta o homem nascer do corpo. É preciso que nasça novamente num plano acima de suas lutas e acima do deserto de sua vida. No seu primeiro nascimento, a criança não tinha escolha. Ela estava inconsciente. Mas o segundo é o único nascimento que o homem pode escolher.

No primeiro nascimento, a criança nasce no mundo físico ; ela se alimenta durante nove meses com o sangue de sua mãe e depois se nutre com o leite dos seus seios para posteriormente poder ingerir o verde. O primeiro nascimento é selvagem e está mais próximo ao estado animal onde Adão é o feto do útero da história e é o homem de luta (homem de sangue) que se alimenta por gerações do sangue da Terra-Mãe. O segundo nascimento é angélico e leva a uma concepção num outro plano, o plano da consciência do espírito. Assim, Adão é o símbolo de todo homem em marcha ao seu Oásis até a vinda do menino Jesus, quando se começa um novo ciclo de alvura, porque o branco é o elo entre o vermelho e o verde. O branco é a paz, a neve do natal e a purificação que antecede a abundância – o verde da primavera -. O branco é o elo entre o Homem e Deus. Nesse ciclo, o homem representado pelo menino Jesus nutre-se do leite da mãe cósmica, da pureza que é a cor da pomba do Espírito Santo. Assim, o feto Adão, alimentado pelo sangue, sai do útero da História, sai da tela do antigo testamento para ceder a vez à criança de leite, ao menino Jesus. Nesta fase, a natureza inferior do homem deve morrer para dar lugar ao espírito – ao princípio divino-. É somente assim que a esfinge expressa a sua verdadeira mensagem, quando o nosso anjo consegue devorar o nosso animal.

O anjo anuncia a vinda de um novo ser, onde se encontram as possibilidades de se libertar para mover e transformar tudo.
No início da criação nasceu milagrosamente uma mulher de um homem. Nasceu Eva de Adão e houve uma queda de consciência no centro instintivo. Nasceu o sexo pecado e estabeleceu-se o ciclo de luta. No início do novo calendário da era cristã, o Universo inverte sua polaridade e nasceu milagrosamente um homem de uma mulher.Nasceu Jesus de Maria e houve uma elevação no centro instintivo.Nasceu o sexo transcendental e estabeleceu-se a vinda de uma era de abundância. Assim Cristo realiza a meta* da grande iniciação universal fechando o circuito histórico entre a visão e o centro instintivo.Fecha-se o ciclo da serpente do mal que seduziu Eva e, com a vinda de Maria, a serpente é vencida dando início a um novo ciclo. Nessa nova etapa, as forças crísticas estimulam as energias universais, exigindo do homem um trabalho nas suas potencialidades sexuais, convergindo-as para uma inteligência superior, para uma visão mais elevada onde o amor servirá como instrumento de realização dessa alquimia transcendental.Nessa nova era , não é exigido mais do homem a cultivação dos seus músculos para as grandes guerras , mas sim a sua capacidade intelectual.

Ainda há de vir uma época onde o homem se desprenderá do branco da purificação, do lar desse mundo, que é apenas uma passagem, e estará pronto para poder ingerir o verde da abundância para viver no seu oásis eternamente…

Jesus disse a Nicodemos: “Em verdade, aquele que não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus”. Nicodemos perguntou: “Como pode um homem nascer quando está velho? Pode entrar no ventre da sua mãe e nascer?” E Jesus respondeu: “Em verdade, quem não nascer do espírito, não poderá entrar no Reino. O que nasce da carne é carne e o que nasceu do Espírito é espírito”.

O segundo nascimento é o nascimento do espírito e se faz num outro plano, o da consciência. Numa consciência espiritual de que o homem é eterno e está bem amparado pelas forças celestiais. Ele não está só. Haverá sempre estrelas brilhando por ele, anjos e magos, trazendo-lhe oferendas. Haverá Josés e Marias e haverá também um burro e um boi aquecendo a sua manjedoura. O burro soprando a paciência de quem ama e o boi trazendo uma nova era fecunda e fértil. Com paciência e fecundidade constroem jardins verdes em sólos áridos. E nunca haverá desertos.
Cristo é um lar que se busca.

É preciso trabalhar o amor em nós para que a nossa alma possa aflorar e conceber o menino Jesus. Um menino que ensina a nossa alma a nascer sem lar, a nascer numa gruta, porque os lares desse mundo são miragens.